ASTROLOGIA & ARTE – Saturno no mapa e Goya por Luciene Felix Lamy – 2ª parte
O autor sobre o qual nos debruçamos – Francisco Goya – será influenciado tanto pelo Maneirismo quanto pelo estilo Barroco, flertará com o estilo Romântico e antecipará o Impressionismo. Sim, suas obras são chocantes! E, para compreendê-las melhor, precisamos contextualizá-las na História, para saber o porquê de Goya ter dirigido severas (e nem tão veladas) críticas ao clero e à nobreza.
O gênero Barroco…
Com o advento das grandes navegações, o Renascimento (já trouxemos ao Consueloblog), que nasceu na Itália, precisamente em Florença, se expandiu por vários países da Europa Ocidental (Holanda, Portugal, Espanha e posteriormente, Inglaterra e França).
Logo após o Renascimento, o breve período entre 1525 e 1600 será denominado “Maneirismo”, do italiano “Maniera” (estilo, no sentido de elegância) e foi um salto, pois mais livre, à maneira do autor. Em seguida, teremos o Barroco.
Considerando que este Post trata de nada menos que do impiedoso deus do Tempo, Saturno (Chronos), elegemos Goya para ilustrá-lo. Mas, onde começou e o que caracteriza o Barroco?
O movimento Barroco começou por volta de 1.600, em Roma, que era o principal centro de convergência de interesses políticos, artísticos e culturais. A cidade eterna era endereço certo, inclusive em relação aos novos estilos também na arquitetura, pinturas e esculturas.
Segundo Adriano Colangelo, o século XVII surge como uma época de crise e de mudanças necessárias para desembocar num novo credo de caráter estético. A Igreja almeja um fervor religioso mais intenso e os artistas respondem a esse anseio dramatizando suas obras.
A Igreja Católica se empenha em recuperar sua autoridade combatendo o protestantismo, reformula-se e expressa novos conceitos através da arte, como nos explica Stephen Farthing: “As estratégias dessa Contrarreforma foram anunciadas durante o Concílio de Trento (1545-1563), que enfatizou a divulgação dos ideais religiosos por meio das imagens, com mais exatidão na representação de narrativas bíblicas e com obras que podiam despertar um fervor religioso renovado”.
Barroco, segundo os autores H.W. Janson e Anthony F. Janson, é o termo que já vem sendo utilizado há quase um século pelos historiadores da arte, para designar o estilo do período que vai de 1600 a 1750. Seu significado original – “irregular, contorcido, grotesco”.
Esse estilo artístico se põe contra as elegâncias e refinamentos maneirísticos da época, abordando a pintura com um incomum senso da realidade. É com ele, o Barroco, que surge o originalíssimo claro-escuro de Caravaggio (técnica chiaroscuro, o sfumato, trazida pela primeira vez por Da Vinci), que abrirá um novo caminho artístico o qual influenciará, mais tarde, Rembrandt e certos elementos artísticos presentes da arte de Goya.
Essa estranha tradição, isto é, de artistas atormentados e inquietos, em clara oposição com a quietude e filosofia renascentistas que foi aberta por Caravaggio é o primeiro grito de dor e de inquietação que será o denominador comum dos séculos XIX e XX.
Breve biografia de um subversivo genial!
O ariano de 30 de março, Francisco de Goya também começou cedo. Aos 14 anos tornou-se aprendiz de José Luzán (1710-1785) em Saragoça e, mais tarde, foi encarregado de pintar os afrescos decorativos da catedral local. Nesse período, por duas vezes ele teve negada sua admissão na Real Academia de Belas-Artes.
Depois do primeiro sucesso como pintor de gênero em Madri, o jovem Goya foi encarregado de pintar o rei Carlos III. Acabou sendo nomeado pintor da corte por ele e, mais tarde, por Carlos IV. Segundo o estudioso Stephen Farting, Goya raramente falava de lealdades políticas, mas seus quadros são reveladores.
O desenvolvimento de Goya como artista foi lento e laborioso. Tinha 43 anos quando se tornou pintor da casa real. Sua principal influência veio de Velázquez, também retratista oficial da corte espanhola, cujas pinceladas livres, Goya estudou e imitou. Na maturidade, seu próprio estilo de usar os pinceis se tornou tão livre que já antecipava o Impressionismo.
Em 1792 Goya contraiu uma doença parecida com o cólera, que afetaria sua perspectiva e o deixaria surdo. Esse episódio o encheu de compaixão para com o sofrimento alheio, e sua obra tem uma profundidade de sentimento humano poucas vezes encontrada.
Em 1824, o artista finalmente exilou-se deliberadamente em Bordeaux, na França, onde veio a falecer aos 82 anos. Embora a influência de Goya só se tenha feito sentir na França depois de sua morte, sua importância para os pintores românticos franceses foi reconhecida pelo maior deles, Eugène Delacroix, segundo o qual o estilo ideal seria uma combinação da arte de Michelangelo com a de Goya.
Diferente de Bouguereau (AQUI) que somente eventualmente pintou obras perturbadoras, Goya somente eventualmente retratou o sublime, como podemos observar em “A maja vestida” (1803) e, mandando nudes, eis a “A maja nua” (abaixo).
É de Goya o primeiro registro da pintura de pelos pubianos, trata-se da nudez de uma mulher “real”, de verdade. Essas obras ofenderam a sociedade espanhola, que as considerou profanas. A Inquisição abriu processo contra o artista, mas felizmente, perdeu.
Algumas obras….
De Francisco Goya, trazemos uma breve análise da bizarra “A Família de Carlos IV”, o angustiante “Três de Maio de 1808”, que retrata, pela primeira vez, a guerra em sua crueldade, ou seja, sem glórias, sem heróis, somente frios assassinos, homens desesperados e mortos. E uma obra da série de murais intitulados “Pinturas negras” (1819-1823), o famoso “Sabbat das bruxas” (o grande bode), que explicita o quanto o desconhecimento do contexto compromete a compreensão de uma obra de arte.
“A família de Carlos IV”…
Goya absorveu as ideias libertárias do iluminismo; embora fosse um pintor da corte, certamente simpatizava com a Revolução, e não com o rei da Espanha, que se unira a outros monarcas em guerra contra a jovem República Francesa.
Nessa obra, Goya fez da rainha, não do rei, a figura central do quadro e destacou seus dois filhos ilegítimos, produto de sua infidelidade. Para os estudiosos, essa seja talvez uma ironia deliberada com a fraqueza do rei, cujas decisões eram frequentemente frustradas pela força política da rainha, amante do primeiro-ministro.
“A Família de Carlos IV” é de uma modernidade quase chocante, pois a psique desses indivíduos foi revelada por Goya de forma sarcástica, com impiedosa sinceridade.
Se observarmos atentamente, veremos que, empedernidos, os membros da família real parecem fantasmas: embora ele tenha sido até piedoso ao retratar as crianças, constatamos que elas parecem amedrontadas. A imagem apática, o olhar pateticamente alheio do rei e –, num golpe de mestre de humor e sarcasmo – eis a rainha, captada em sua vulgaridade quase grotesca. Observem que, exceto pela riquíssima veste e as ostensivas joias, sua fisionomia revela traços mais “azedos”, mais comuns no baixo extrato social.
Entre o futuro casal Fernando e sua noiva (talvez seu rosto não tenha sido retratado porque ainda não se casara), temos ela, a sogra, numa expressão essencialmente desconfiada, eu diria, até “má”. Reparem que o próprio Goya se autorretratou logo atrás.
Estudiosos se perguntam: “Como é o que a família real tolerou tal coisa? Estariam tão deslumbrados com a pintura esplêndida de seus trajes que não perceberam o que Goya havia feito com eles?” Boa pergunta para o Salotto!
“Três de Maio de 1808”…
Goya e muitos de seus compatriotas esperavam que os conquistadores trouxessem as reformas liberais que se faziam tão urgentes. Mas o comportamento selvagem das tropas francesas esmagou essas esperanças e gerou uma resistência popular de igual selvageria.
Aqui, as cores vivas, as pinceladas generosas, fluidas e a dramaticidade da luz noturna são mais enfáticas do que nunca: “A pintura tem toda a intensidade emocional da arte religiosa, mas esses mártires estão morrendo pela Liberdade, e não pelo Reino do Céu; seus carrascos, além do mais, não são agentes de Satã, mas da tirania política – uma formação de autômatos sem rosto, insensíveis ao desespero e revolta de suas vítimas”.
Depois da derrota de Napoleão, a monarquia espanhola restaurada trouxe consigo uma nova onda de repressão, e Goya mergulhou cada vez mais num universo individual de visões dantescas.
Sobre o grande bode: denunciando um descabido preconceito…
Segundo os especialistas, embora inspiradas em provérbios e superstições populares, muitas dessas cenas sombrias e violentas são um desafio a uma análise precisa. Pertencem ao domínio do horror subjetivamente vivenciado pelo artista.
Como digo, prepare-se para enxergar tudo o que vê! Estamos na Espanha do século XVII, ativa, a Inquisição “se joga” na caça às bruxas, tidas como adoradoras do “tinhoso”. Cônscios disso, compreendemos melhor toda a ironia do magistral Francisco GOYA em protestar quanto aos desmandos da Inquisição, denunciando o absurdo que é essa infundada perseguição por puro fanatismo religioso.
Na obra acima, ao centro, temos diabo, personificado na figura de uma enorme cabra negra, coroada com uma guirlanda de folhas de carvalho e cercado por um bando de “adoradoras” desfiguradas. No alto e ao meio, morcegos sobrevoam o demônio.
Bruxas jovens e idosas, em uma paisagem estéril enluarada. Observem que a Lua está em fase Minguante, ocupando o canto superior da tela. A cabra/diabo possui grandes chifres e parece estar presidindo uma cerimônia macabra. A superstição popular da época acreditava que o tinhoso alimentava-se de criancinhas, bebês e fetos humanos.
Por conta disso, o que parece esqueletos de três crianças também podem ser vistos dependurados no canto superior esquerdo. A mulher sentada no canto inferior direito oferta uma criança, enquanto a outra, de boca aberta como quem profere algo, entrega-lhe um bebê. A mulher de costas, ao centro e abaixo da obra, está debruçada sobre o corpo inerte de uma criança, da qual vê-se somente as pernas e os pés.
Sem dúvida, ainda que irônica, a obra é mesmo perturbadora. E perfeita para, ao prescrutar comentários, apreender sobre os valores morais dos observadores. E… Só mais um Goya, posso?
Considerando que para uma boa fruição da obra de arte devemos atentar: ao tema, à técnica utilizada, ao simbolismo presente na obra, ao preenchimento do espaço e utilização da luz, ao contexto no qual o estilo histórico se insere e à interpretação pessoal do artista, GOYA surpreendeu em todos os quesitos e se tornou digno de figurar no panteão dos grandes gênios dos pincéis.
Bem, apesar de dramático, espero que tenham apreciado o Post, amigos. Aguardem, em breve, os três planetas trans saturninos (porque estão além de Saturno): Urano (imprevisível), Netuno (perfeito para trazermos o “Maneirismo”) e Plutão (com o Barroco do magistral Gian Lorenzo Bernini na escultura).
Deixo aqui a indicação do maravilhoso filme “Sombras de Goya”, dirigido por Milos Forman, com Natalie Portman, Javier Bardem e Stellan Skarsgard, interpretando Francisco de Goya.
Aqui o filme.
Se não conseguir abri, por favor clique AQUI.
- October 31, 2015
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- Astrologia, Luciene Felix Lamy
Carmen Nogueira
31 de October de 2015Luciene,
Mais um post seu que eu gostei bastante. Vou indicar a leitura para outras pessoas que tem interesse em arte.
Bjo
luciene felix lamy
2 de November de 2015Fico felix da vida, Carmen!
Grata por indicares o Post, amiga. Goya é fundamental a todos que visitam o Museu do Prado, em Madrid.
Mas devo dizer que esse seu Saturno engolindo seus filhos nem é o mais dramático... O de Peter Paul Rubens (também no museu do Prado) é ainda mais chocante (ao menos para mim). Beijos, lu.
Maria Vilma
31 de October de 2015Que Post fantástico, Lu!!! Mais um dentre tantos igualmente extraordinários!!!
A arte de ensinar sobre arte... é arte que exige muita paciência e persistência...!
Por isso, Pró Lu! Obrigada por não se cansar, insistir, não desistir... Desse modo, tenho aprendido cada vez mais, por meio da arte, sobre os contextos históricos que reúne as diversas dimensões humanas: emocional, racional, corporal, mística...e ainda refletido acerca das suas vitórias, suas limitações, seus fracassos... e assim, entendido um pouco mais da realidade humana como um todo.
A feiura e a beleza do mundo fazem parte da arte. Portanto, buscar conhecer e entender de arte é fundamental para aprimoramos e ampliarmos a nossa percepção de mundo.
Mais uma vez, obrigada querida!!! Que sorte a nossa hein...!? Que bom contar com vc!
Um abraçaço!!!
MaVi
luciene felix lamy
2 de November de 2015"A feiura e a beleza do mundo fazem parte da arte. Portanto, buscar conhecer e entender de arte é fundamental para aprimoramos e ampliarmos a nossa percepção de mundo." Disseste tudo, MaVi.
Sorte a minha em poder contar com quem se interesse, minha amiga! \o/
Laura
1 de November de 2015Texto que me enriqueceu. Obrigada!
luciene felix lamy
2 de November de 2015Oh, que bacana, Laura!
Pois a mim também enriqueceu muito essa pesquisa.
Quem se propõe a ensinar também aprende. E muito!
Gratíssima, desejo-lhe um ótimo final de feriado!
Denise Luna
2 de November de 2015Lu, você é TOP!!!!!!!!!!!!!!!!!
Bjs
luciene felix lamy
2 de November de 2015Magina, Denise. TOP foi a Consu publicar justamente quando comemoramos "O dia das bruxas": perfeito!
Andreia Mota
2 de November de 2015Eita presente bom para o finalzinho do feriado, obrigada quelida Lu, pela explicação e pelo filme.
luciene felix lamy
2 de November de 2015Também achei bem apropriado para esses dias de feriado, Andreia.
O filme é realmente fantástico, belíssimo, com atuação irretocável de Javier Bardem.
Mil beijos, amiga!
Norma Cardoso
2 de November de 2015Belo trabalho, Lu! Principalmente, porque Goya não é universalmente palatável. Bjo Nac
luciene felix lamy
2 de November de 2015Menina, eu não havia atinado a isso, mas tens toda razão!
Quem contempla um Goya desconhecendo seu contexto pode vir a se sentir ainda mais confuso(a) com suas enérgicas, sarcásticas e perturbadoras pinceladas... Muito, muito grata por teres atentado a importância disso, Norma. Zilhões!!! lu.
Marina Di Lullo
3 de November de 2015Querida Lu, o chiaroscuro, o sfumato, é o que mais me impressiona em Goya, suas telas adquirem um sarcasmo, uma morbidez, devido a esta coloração e também aos traços grotescos das feições. Grande Artista, já denunciava tantas manipulações, sem que se dessem conta disso. Com sua análise enriquecedora, apreciar suas obras adquiriu uma dimensão amplificada, muito obrigada!! Beijos
luciene felix lamy
4 de November de 2015Querida Marina,
Somente agora vi seu comentário... Queira perdoar-me, amiga.
Durante os dias de publicação, gosto de ficar meio que "de plantão" para sanar as dúvidas que puder.
E pensar que essas técnicas foram criadas por Da Vinci... Constatamos uma diferença gritante entre o (fenomenal, sem dúvida, mas também até idílico) Renascimento e o Barroco, não é?
No entanto, enquanto que em Goya o sarcasmo, a ironia, a denúncia da hipocrisia e da violência é notória (alguns de seus desenhos são até baixo calão* mesmo, como os que aparecem no início do filme indicado), com o Barroco de um Caravaggio, por exemplo (aquele dedo de São Tomé na chaga de Cristo ou todo aquele sangue com Judith decepando Holofernes**, ou ainda a expressão da cabeça de Golias nas mãos de Davi), a violência é tão gritante e pujante que chega a me causar mal-estar. Mas isso é extremamente pessoal... É porque não posso ver sangue, de jeito nenhum, nem nas telas.
Para dar conta (modo de dizer) dessa Escola, ainda precisaria trazer Velázquez, El Greco, Rembrandt, Caravaggio, Vermeer, Rubens e Bernini, por exemplo. Mesmo que eu não consiga apresentar todos esses, ao menos de Bernini (perfeito para o planeta Plutão, o Hades) e Vermeer não há como abrir mão.
O próximo Post deve versar sobre a posição do planeta Urano no mapa natal, vou ver qual obra (preferencialmente ainda do Barroco, pois ainda há o que contextualizar sobre essa época) "se encaixa". E, com Netuno, posso voltar e esclarecer quais foram as particularidades que caracterizaram o breve período que foi o Maneirismo.
Atualmente, graças a Deus, existem mil maneiras (cursos, vídeos, livros, etc.) de se inteirar, aprender e apreender melhor esses instantes tão sublimes que é o fruir das mais belas obras de Arte. Mas uma das vantagens de se dedicar a conferir também aqui, no Consueloblog é justamente esse "plantão" ao qual me disponho a enriquecer a todo Salotto, com imenso prazer.
Muito obrigada por teres apreciado mais esse sensível, perspicaz, audacioso e talentoso artista, Marina.
Mil beijos,
lu.
(*) Calão é o dialeto que se falava nos presídios e outros locais não muito bem frequentados.
(**) Nada a ver com a doce e singela Judith de Botticelli, que já trouxemos aqui.
Luciana
1 de September de 2017Astrologia e arte.Amei este blog.Eu já assistí um outro filme De Goya(Goya de Carlos Saura),e gostei muito.