Sou partidária da ideia de que cada um tem o direito de fazer o que bem entender, sem se preocupar com o que os outros vão pensar. Mesmo assim, em alguns casos, principalmente à mesa, é sempre bom saber o que os outros esperam que você faça (ou não), especialmente se você se encontra em um país que não é o seu.
Aqui na Itália, a regra número um à mesa é se divertir. Famílias, amigos e desconhecidos se juntam ao redor da comida para desfrutar um momento genuíno de prazer e descontração. Mas, como não poderia deixar de ser, existem coisas mais e menos “aconselháveis”, principalmente em se tratando de um dos assuntos mais sérios da Itália: macarrão.
Por isso, fica aqui uma listinha modesta de dicas de boa etiqueta para quando alguém está cara-a-cara com um macarrão – e, garanto, ainda que possa haver exageros, não é frescura; o resultado final fica melhor.
AO COZINHAR
Ao cozinhar pastas secas compridas (e.g. spaghetti e linguine) JAMAIS quebre a pasta para facilitar que a massa caiba na panela. Um segredo é “torcer” com as duas mãos o punhado de macarrão a ser cozido e soltá-lo sobre a panela de água fervente – assim, a pasta se espalha uniformemente ao redor das bordas. Depois, é só ter um tiquinho de paciência para acomodar dentro d’água as pontinhas que ficaram fora – com as mãos ou com um garfo.
NO PRATO
No mesmo sentido, ainda falando de massas compridas (e aqui também incluo as frescas, tipo tagliatelle, papardelle, etc.), duas outras dicas:
1) POR FAVOR, NUNCA CORTE A MASSA COM A FACA. Claro, é muito mais cômodo garfar pedacinhos já cortados de pasta do que enrola-los, mas, garanto, aqui na Itália é das maiores heresias que alguém pode cometer à mesa.
2) COLHER: MELHOR NÃO. Aqui, usar a colher para saborear muitos pratos (tipo qualquer coisa que venha com bastante molhinho) é muito mais comum do que no Brasil. Porém, diferentemente daí, não é nada chique enrolar o macarrão na colher; lugar de enrolar o macarrão em torno do garfo é no prato.
QUEIJO RALADO
Aqui entramos em um terreno ainda mais perigoso… existem algumas regras claras, e também muitas controvérsias sobre a relação entre massas e queijo ralado. Vamos por partes.
1) Em primeiro lugar, a única regra de ouro: se na massa há peixes ou frutos do mar, qualquer tipo de queijo ralado está 99% das vezes vetado. Em muitos lugares, no lugar do queijo, coloca-se um pouco de pão ralado e tostado com azeite.
2) Outra dica: com molhos que já levam queijo, principalmente aqueles com queijos mais frescos, tipo mozzarella de búfala (e.g. os famosos gnocchi alla sorrentina), evite.
3) No mais, preste atenção em qual tipo de queijo ralado usar. Os mais comuns (que variam muito de região para região) são: Parmigiano Reggiano e Grana Padano(ambos fortes, semelhantes ao que chamamos geralmente de “queijo ralado” no Brasil); pecorino e ricotta salata (uma ricota mais salgada e seca).
O molho mais democrático é aquele simples, feito só com tomates. Em geral, qualquer queijo ralado cai bem – e, se você nunca experimentou, tente a combinação tomates, manjericão e ricotta salata.
Parmigiano Reggiano e Grana Padano são normalmente usados para acompanhar molhos com carne (tipo “alla bolognese”), pesto, funghi, manteiga e sálvia, molhos brancos e pastas in brodo – mas não muito mais do que isso; não pensem que caia bem com absolutamente tudo…
Pecorino normalmente vai bem com molhos sem tomate (“in bianco”) à base de carnes não-vermelhas (porco e seus embutidos, coelho, etc.) ou legumes. Outros exemplos clássicos são pastas tipicamente romanas como alla carbonara (guanciale e ovo) caccio e pepe (que já é feito com pecorino e pimenta-do-reino, mas vale colocar ainda mais!) e all’amatriciana (guanciale e tomates). Na verdade, usar ou não o pecorino depende bastante da região onde você se encontra – já que, em alguns lugares, o leite de cabra é muito mais comum do que o de vaca.
Já a ricotta salata (que também é regional) funciona que é uma maravilha com molhos mais frescos e delicados, principalmente à base de tomates e verduras – um exemplo clássico é a pasta alla norma, típica da Sicília, com tomates, berinjela, alho e manjericão.
4) Mas quer uma dica ainda melhor? Para quem não quiser fazer una brutta figura(“fazer feio”) em um restaurante, o melhor conselho é: pergunte ao garçom se se deve ou não colocar queijo – assim você poderá experimentar o prato do jeitinho pensado pelo chef e as chances de sucesso só aumentam!
Enfim, falei, falei, falei, mas no final das contas, nada na cozinha é absoluto nem deve ser levado tão a sério; tudo depende de gosto – e, neste caso, de aversão a cara-feia.
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Nossa!! Me deu uma fome este post!!! Vocês gostaram?… Temo outra coisa importante sobre o macarrão, qual forma usar para qual molho. Nunca pensei que isto pudesse fazer diferença antes de chegar na Itália, e olhem que meus avós são italianos. Mas garanto que faz a maior diferença!!! Vou pedir à Flo para nos fazer um post sobre isto, que tal?
E, abaixo, um pouco sobre a Flo!!
Eu, Flo
“Mezzo italiana, mezzo japonesa, formou-se em direito, mas resolveu fugir para a Bologna para comer bem e viver ainda melhor. Descobriu que vinho bom não engorda e que o sotaque italiano deixa qualquer prato ainda mais gostoso. A saudade do Brasil, porém, faz com que tenha vontade de dividir tudo com o resto do mundo – e em bom português”
Depois de 25 anos de Brasil, resolvi sair para me encontrar. Deixei para trás uma carreira promissora e vim para Bologna (sei que em português é “Bolonha”, mas peço licença para manter o original) para procurar – e abrir – novas portas.
Acabei me encontrando nesta cidade nova – para mim – mas que é a casa da universidade mais antiga do mundo; cheia de jovens e cheia de velhos; onde se fala italiano com sotaque “cantado”; onde nasceu um dos cantores italianos mais brasileiros da história – Lucio Dalla – que fez música para o Senna e era parceiro de Chico Buarque; onde o cálice de vinho normalmente está vazio, e o copo de água sempre cheio; mas, acima de tudo, onde comida é um assunto seríssimo.
Sabia, quando cheguei, que muita coisa iria mudar na minha vida. O que jamais tinha passado pela minha cabeça, porém, é que, em meio a toda essa reviravolta, eu pudesse passar a enxergar de maneira tão diversa algo que ao mesmo tempo sempre tinha sido tão familiar, mas que jamais foi prioritário para mim: a admiração pela comida.
Admito, sempre fui gulosa e, agradeço, sempre comi bem. Principalmente por mérito dos meus pais e das minhas avós –uma italiana e uma japonesa – soube desde pequenininha o que era comida boa de verdade. Mas, até chegar aqui, “comida” era algo que normalmente ficava restrito ao período de tempo entre o sentar-se à mesa e levantar-se dela. Mas aqui não, é sempre – e é sempre fascinante.
E, de repente, sem perceber, vi que estava organizando meus fins de semana em função dos restaurantes onde queria andar; que só havia sites de receita dentre os meus favoritos; que me vi eviscerando todos os peixes e moluscos imagináveis e achando tudo divertidíssimo; que me peguei explicando ao meu namorado (italiano) como se preparava uma verdura que nem existe no Brasil.
Percebi, então, que era sério. Sério, mas ao mesmo tempo delicioso.
Em italiano, existe uma expressão, “per sfizio”, que se encaixa perfeitamente à minha motivação para fazer este blog: é a vontade pelo prazer; mais capricho do que fome. Normalmente não é gula – não é a terceira fatia de torta de chocolate – mas o desejo de experimentar algo especial.
E é assim que pretendo encarar a comida aqui: como uma eterna possibilidade de novas experiências. Partindo do (meu) pressuposto de que, quando bem tratada, a comida “acarinha”.
E, depois de anos de busca – e de chamego encontrado – achei que já passava a hora de documentar algumas coisas…
Flora Pinotti Sano
Maria Vilma
20 de December de 2014Flora... Flora...flor de menina...! Tão linda quanto o nome...!
Flora, eu não sou... o que se pode chamar de uma consumidora-amante-de-
massas... Mas adorei colher as sementinhas que vc espalhou por aqui, em
forma de dicas...! Super válidas!!!
Vc gosta de massas e eu gosto de poesia... e do seu nome. Por isso, dou-lhe
as boas vindas, com uma das músicas mais lindas (na minha opinião)de
Gilberto Gil, que ele fez para a esposa, que tem nome igual ao seu... mas que
eu tomei de empréstimo, para homenagear vc, Flora.
♪♫♩♫♭♪♮♫ ♩♫♭♪
“Imagino-te já idosa
Frondosa toda folhagem
Multiplicada a ramagem
De agora.
Tendo tudo transcorrido
Flores e frutos da imagem
Com que faço essa viagem
Pelo reino do teu nome
Ô, Flora.
Imagino-te jaqueira
Postada à beira da estrada
Velha, forte, farta, bela
Senhora.
Pelo chão muitos caroços
Como que restos dos nossos
Próprios sonhos devorados
Pelo pássaro da aurora
Ô, Flora.
Imagino-te futura
Ainda mais linda madura
Pura no sabor de amor
E de amora.
Toda aquela luz acesa
Na doçura e na beleza
Terei sono com certeza
Debaixo da tua sombra
Ô, Flora.”
Um dia com flores, sementes e aromas dessa Flora brasileira, para todos nós!!!
MaVi
Flora
21 de December de 2014MaVi, sou a Flora e me emocionei com sua mensagem, principalmente porque se me chamo assim, é porque meus pais ouviram essa música e pensaram em mim - mesmo antes de eu nascer.
Obrigada pela sua poesia
Um beijo enorme,
Flora.
Maria Vilma
22 de December de 2014Ô Flora... agora quem está emocionada sou eu!
Um beijo! Boas semeaduras e excelentes colheitas Flora!
MaVi
Ana Abate
20 de December de 2014Ameiiiii o post! Adoramos pastas aqui em casa e tudo que se refere a elas e a esse país que sou apaixonada me interessa! Vejo algumas pessoas comendo com a colher e sempre tive essa dúvida do que seria o mais correto!
Uma graça a Flora!
Bjs p vcs!
Flora
21 de December de 2014Obrigada, Ana! Fico feliz que tenha gostado ;)
beijos!!
lili
20 de December de 2014Amei. Já comecei a seguir no blog e noPinterest!
Flora
21 de December de 2014Que boa notícia, Lili!
Mariza Santos Fonseca Guerra
20 de December de 2014Dicas preciosas! Adorei, obrigada a Consuelo e Flora. Tenho incrementado meus molhos de tomates com os caldos das carnes cozidas consumidas na minha casa, pois sempre ficam sobras na travessa. Congelo e aguardo a oportunidade para usar. As massas ficam deliciosas e saudáveis.
Bjos.
Flora
21 de December de 2014Bravissima, Mariza! É uma ótima idéia!
Andrea - Curitiba
20 de December de 2014Eu ja conhecia a maioria destas preciosas regras do macarrao....Hoje ja nao mais, mas ha muitos anos atras( mais de 15...) eu gostava de fazer cursos de culinaria...Quando morei em Florenca fiz um muito bom. Tambem fiz um de cozinha siciliana. Nao cozinho mais, ja perdi o elan ha muito tempo....Tambem vivo em um eterno regime, o que me impede de cair de boca em um bom prato... Otimo post!! Mas eu adicionaria algo tao italiano e que os brasileiros desconehcem: por que o macarrao eh o primeiro prato a ser servido na Italia?? Geralmente sao tres pratos, sendo o ultimo a sobremesa...resposta: porque a "pasta" eh importantissima para os italianos e deve ser consumida imediatamente, quentissima! A salada, deixa-se para depois....Bjs......
Marina Di Lullo
20 de December de 2014Oi Andrea! Eu também adicionaria algo que minha origem italiana não nega, o tempo de cozimento para cada tipo de "pasta" /macarrão, que é muito relevante para se identificar "una vera pasta". Bjs
Andrea - Curitiba
21 de December de 2014Verdade, Marina! Bjs..
Flora
21 de December de 2014Concordo plenamente com ambas! Grazie!
Cecília
20 de December de 2014Como sempre aprendendo ..... Amei o post! Bjs a todos.
Flora
21 de December de 2014Obrigada, Cecília!
fatiminha
20 de December de 2014ciao
absolutamente correta a flora!
vamos falar dos tipos de pasta `obrigatorios` com certos molhos?
bjsss adorei
ah sim, eu bati meu marido italiano numa aposta: a pasta vai sempre servida em prato raso!
Andrea - Curitiba
21 de December de 2014Sempre, Fatiminha!!! Bjs...
Flora
21 de December de 2014Que bom que gostou, Fatiminha! E esse é um outro ótimo assunto - do qual já falei um pouco no blog.
Quanto ao prato... Bom, digamos que há controvérsias... Mas não direi ao seu marido!!!
Beijos
Katia Holanda
20 de December de 2014Que delicia de post.... Adoramos macarrão aqui em casa !
Obrigada . Já estou indo visitar o Blog
Flora
21 de December de 2014Obrigada, katia! Espero que goste e volte sempre! Beijos!
Daniela Giuliboni Coelho
20 de December de 2014Que presente te conhecer Flora, eu amoooo pasta,já sabia de algumas coisas devido a origem italiana que temos,achei muito interessante a relação dos molhos com os queijos....sou curiosa e adorooo aprender obrigado a vc e a Consu bjssss.
Flora
21 de December de 2014Obrigada você, Daniela! Fico feliz que o assunto - e o post! - tenham te interessado! Se tiver outras curiosidades implacáveis (e se eu puder ajudar) é só avisar ;)
Beijos!
Conceição
22 de December de 2014Gostei do post e adorei o blog da Flora!
Servem para aumentar minhas saudades (todo ano há uma briga em casa: o maridão querendo ir pra Paris e eu pra Florença).
Bjs garotas!
Flora
22 de December de 2014Conceição, muito obrigada!
Quando vier para essas bandas com o maridão, passe também por Bologna! ;)
Beijos!
Cassiano Lopes
22 de December de 2014Que tudo esse post!!! Não sabia nada disso sobre o macarrão - e eu que adoro past! - e estou muito feliz com esse compartilhamento divino e em conhecer a Flora! Vou seguir seu blog já Florinha! Um beijo e prazer em conhecê-la! Consu, você é mara! Bjocas!
Flora
22 de December de 2014Cassiano, que fofo!! Grazie mille!
Espero que continue gostando!!!
Beijão
Daniela Giuliboni Coelho
22 de December de 2014Flora querida esqueci de dizer que já te adicionei bjssssss!!!!!!