Ser Gay no Interior

Just me

Moro em Jaguar City desde que nasci e só estive longe por conta dos estudos e aventuras. Minha família é toda daqui. A cidade é pequena, cerca de 35.000 habitantes, o típico “interior” com suas características que sempre achei mais acentuadas que em outras cidades. Acho que quem mora no interior tem essa impressão. Será que minhas amigas “roceiras como yo”, Aleamada, Lady Mary e Vivi, concordam comigo? Não há muitos bares, restôs e afins por aqui, o que é uma pena para quem gosta do fervo como eu. Entretanto, já me acostumei e quando quero “agitar”, faço uma “festcheenha” com amigos ou viajo. Por isso adoro os encontrinhos do Salotto em Sampa!

Palacete Matarazzo em Jaguar City, que hoje é o museu municipal foi casa de campo do Conde Francesco Matarazzo

Complexo Industrial Matarazzo

Baby Cassi

Viver no interior pode ser um carma para uns e um paraíso para outros. Para mim foi tranquilo, com liberdade, simplicidade e despreocupações, até chegar na adolescência, quando o bicho pegou. Entre um turbilhão de sentimentos e uma explosão hormonal, a calmaria foi substituída por dias de “saco cheio”, insatisfações e rebeldias. As paqueras começaram assim como os conflitos internos, os olhares estranhos, a popularidade, a formação dos grupos e a descoberta sexual. Nada diferente de qualquer adolescente, urbano ou “da roça”.

E na infância e adolescência

Aos 11 anos já sabia que era diferente dos demais meninos. Meus gostos eram outros. Odiava esportes. Gostava apenas das brincadeiras de rua e de nadar. Aos 14 fui estudar em uma escola particular, com diferentes influências e novidades, o must para o interior. Fiz amigos e a visão de mundo mudou. Os gostos já eram outros e isso era massa. Ouvia A-HA, Pet Shop Boys e Cindy Lauper. E de onde veio essa influência se a única rádio local só tocava música caipira? De uma amiga muito especial com quem passava quase todas as tardes. Além desses artistas, ouvia ela tocar no piano Pour Elise (Beethoven) ou Granada (Augustín Lara) e sonhava acordado. Somos amigos até hoje e ela foi uma das primeiras pessoas que soube que eu era gay.

Pet Shop Boys

Meu album favorite da Cindy Lauper – True Colors

Aos fins de semana íamos a uma lanchonete (super interior!) às sextas e sábados. Como era um dos poucos lugares para frequentar, havia uma grande diversidade “galinácea” para descrever os frequentadores dali. Eram pavões misteriosos, galinhas d’Angola, perus, galos de briga, galinhas caipiras e “galizezinhos”, o pinto quando tá crescendo e “se acha o galo véio” hahahahahaha. E raposas! Muitas raposas à espreita! Nessa época eu já sofria com o preconceito de forma bem escancarada. Quando eu passava o povo já “mexia” comigo, fazendo gestos ou gracinhas. Até me trancaram no banheiro uma vez, acreditam? Pena que foi sozinho #naughtycassi E quando usava um modelito diferente então? Minha nossa! Era o talk of the town! (NOTA: Ainda recebo um olhar torto quando vou lindo ao mercado com meu pulseirismo bombando + havaianas & spikes + power glasses na cara buscar meu vinho. Rio alto com a reação de alguns! hahahahaha)

Como não havia opções, você sempre encontrava as mesmas pessoas nos mesmos lugares. De certa forma isso era bom, porque era possível estabelecer uma relação amistosa com todos e aos poucos iam se acostumando com o que “parecia ser diferente”. Em uma dessas saídas, vi pela primeira vez um homem vestido de mulher, assim, do meu lado. Fiquei chocado! Como uma pessoa assumia com tamanha naturalidade sua persona, seu eu, sua essência? Se colocar na arena dos leões e ser devorado pelas línguas afiadas daquela plateia? Não entendi nada e fiquei sem entender por um bom tempo.

Laerte

Jared Leto como mulher para o filme Dallas Buyers Club

James Franco by Terry Richardson

Lá pelos 17, já com uma pequena experiência de vida noturna e descaramento total, encontrei-o novamente e perguntei como fazia aquilo e era respeitado pela sociedade. Sua resposta: “Sou um ser humano que tem necessidades diferentes e não vejo problema nisso. A partir do momento que adotei essa postura e comecei a viver normalmente, nunca tive nenhuma situação que colocasse em risco minha integridade ou valor moral.” Pronto, calou minha boca.

Fase rebelde… Desculpem o gesto, mas só achei essa foto! Achando que era alguém! (Consu, se quiser deixar essa foto de lado, sem problemas)

Essa pessoa ainda mora em Jaguar City e é muito querido pela população, principalmente por ser um profissional reconhecido em sua área. Não o vejo sempre, mas quando nos encontramos é quase um evento! “Rasgação de seda” total, confissões e holofotes! Sim, porque ele agora é quase uma Caitlyn Jenner e eu… Bom, sempre estive no “zóio do furacão”.

Caitlyn Jenner

Imaginem o quão difícil foi para essa pessoa ter crescido numa cidade pequena, sendo vítima de tantas desnecessidades. Bem punk! Assim como foi comigo, numa escala mais leve, e como ainda é com outros jovens, talvez um pouco mais leve. No interior, existem alguns obstáculos tradicionais (ou seriam clichês?) que os gays ainda precisam enfrentar, como a religião, por exemplo. Sou gay e católico, além de apreciar outras filosofias de vida. Cumpro a minha responsabilidade cristã e acredito no poder divino absolutamente. Para muitos isso é incompreensível e causa atritos nas rodinhas dos “carolas”, que estão enraizados em suas crenças limitadas e pensamentos equivocados sobre as diferenças. Acham-se donos da verdade e criam discursos absurdos de “conversão/libertação” como vamos rezar por essa pobre alma que está perdida na luxúria e tomada pela escuridão! No melhor estilo Narcisa Tamborindeguy, digo o seguinte “AI QUE PREGUIÇA! AI QUE CHUTE! AI QUE POVO CHATO! AI QUE BLA BLA BLA!”

Tenho vontade de compartilhar com esse “público” informações do universo LGBT e também ajudar quem sofre em silêncio porque tem medo de revelar sua natureza. Uma grande oportunidade para um belo projeto social, quem sabe. Assim que você se entrega à sua realidade as coisas ficam mais fáceis. Do momento que eu fiz isso, nunca tive problemas. Sou uma pessoa divertida e que adora se reunir com outras pessoas. Teve uma época da minha vida que eu era o arroz de festa. Certa vez, em um aniversário, encontrei o mesmo garçom de eventos anteriores que me disse: “Poxa Cassiano, você tá em todas! O que você faz para ser convidado para tantas festas?” E eu, na maior cara de pau respondi: “Sucesso!”

O que quis dizer com isso? Que não importa onde estamos se somos os responsáveis pela nossa felicidade. A diversidade existe tanto em uma cidade com 50 milhões de habitantes quanto em uma comunidade rural com 200. Existem diferenças sim, porém há muitas semelhanças também. Seja em Jaguar City, Mexico City ou New York City, o que vale realmente é viver a vida porque no final o melhor de tudo são as lembranças, o aprendizado e as histórias para contar.